domingo, 26 de agosto de 2012

Rose

 



               Digam o que disserem, sei que um dia perdi a Rose. Nunca soube se o nome dela era realmente este, afinal, as crianças de rua costumam arrumar os seus próprios codinomes para esquecer uma infância triste, cheia de violências brutais que a nossa sociedade indiferente costuma denominar “destino”.

                Mas, na minha saudade, ela sempre será Rose, a menina que conheci nas ruas do centro de São Paulo. Ela sabia mais ou menos a hora do meu almoço. Conhecia o prédio onde eu trabalhava e vinha procurar por mim. Rose tinha os cabelos encaracolados e curtinhos. Deveria ter entre cinco a seis anos de idade. Os olhos tristes e imensos emolduravam um rostinho sério onde nunca vi sequer a sombra de algo semelhante a um sorriso.

               E assim me apaixonei por Rose. Como a gente costuma se apaixonar pela idéia de ter um filho. Ela só me pedia diariamente um refrigerante, e nada mais. Nunca aceitou um prato de comida ou um sanduíche. Depois eu soube que dormia habitualmente na Rua Sete de Setembro, entre mendigos sujíssimos e totalmente entregues ao vício da bebida.

               Tencionava trazer Rose para o interior. Firmou-se em mim a vontade de livrá-la daquela infância crua e desumana. Mas, um dia, Rose não apareceu, e era sempre tão pontual. E não surgiu no dia seguinte. Foi naquele tênue início, quando começava a despertar a sua confiança, foi ali que a vida nos separou. 

               Perdi Rose na cidade grande que tudo devora. Certamente a levaram a algum outro ponto da cidade. Indaguei os comerciantes locais. Nada. Não deixaram pistas. Desapareceram.

               Entre as mais tristes e pungentes lembranças da minha vida, ainda me vejo vagando nas ruas do centro da cidade, chorando no meio da multidão e procurando por Rose. Havia chegado tarde demais? Falhei com Rose. Não pude resgatá-la e nem lhe proporcionar a dignidade pretendida.

               Muitas vezes, ainda me pergunto: o que aconteceu com ela? E a pergunta fica ecoando no ar: o que aconteceu com a Rose? E a resposta é um suspiro profundo. A infância feliz que não pude lhe oferecer é uma dor inconclusa.

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