quinta-feira, 16 de agosto de 2012

100% ALGODÃO




               Quando surgia um branco total na mente, e não conseguia escrever absolutamente nada vezes nada, sempre suspirava e lançava a estratégica frase: “um dia escreverei a minha crônica sobre o 100% ALGODÃO”. A senha foi criada para resumir a falta de inspiração. Era o meu código de ensimesmar.

               Se um dia prometi escrever, está prometido. Será escrito. Vamos encarar o desafio. A explicação mais plausível da associação ao algodão, talvez derive do horror ao: “100% POLIÉSTER”, impresso nas etiquetas das blusas. Significa o abafamento total da minha pele, alérgica a tecidos sintéticos. Principalmente confecções com golas na região da nuca costumam ocasionar muita dor de cabeça e enjôos sem fim.

               Sou obrigada a ler etiquetas ao comprar a mais banal das blusas. Viscose? Rayon? Elastano? Poliamida? Acrílico? Dá para confiar nas porcentagens da descrição? Não. Qual é o meu truque? Assopro o tecido entre as mãos. Não passou o ar entre os dedos? Então não é algodão. O encanto pela blusa morre cem por cento em segundos. 

               A crônica 100% ALGODÃO simboliza o texto arejado. Homenagem cálida e cheia de frescor aos nossos vestidinhos de lese branco, aqueles tecidos furadinhos. Os decotes e as mangas arrematados com o delicado bordado inglês. Puro algodão bordado. Aquela graça. As crianças nascidas no tempo do 100% algodão. 

               Sempre busco a mesma sensação suave e desejada no corpo do texto: deve vestir confortavelmente a alma. As palavras também respiram, transpiram, exalam perfume ou um suor tóxico. Depende do assunto e da abordagem. Do filtro, dos poros, da transcendência. E, principalmente: da sensibilidade.

               O lado 100% POLIÉSTER talvez represente o difícil trato com tudo o que não é natural. O lado trancado, abafado e irrespirável da vida. A tessitura que faz mal e sufoca. Paralisa e asfixia tudo o que é vivo, respira e transpira. Ocasiona ânsia, mal estar e quase desidratação. 

               É a dialética inapelável. Os extremos e os contrastes. E agora que consegui escrever a crônica “100% Algodão” , algum leitor perguntará porque esmiucei um assunto tão banal. Será? Cada vez mais deveríamos priorizar os sentidos, o conforto e o bem estar. A nossa pele acariciada e reconfortada agradecerá, sem dúvida alguma.

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