segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Retrato de um Vazio




               O que se formou foi o retrato de um vazio. Depois de patéticas tentativas de escrever novas crônicas. Algumas nasceram sem vida. Outras vieram disformes e anacrônicas. Nenhum assunto duradouro.

               A rotina foi feroz e aniquiladora. Onde andarão a desenvoltura, a doçura, a ternura, os anos de clausura? Quantos anos girando em torno do mesmo nada? Todos os esforços, todas as vãs tentativas caíram num abismo sem fim. Lições duras para quem pensava que sabia alguma coisa.

               Como refazer a conta do tempo perdido? Nenhuma anotação importante nas agendas. A ficha demorou a cair. Esforços, empenhos e sacrifícios. Nada foi escrito nos compromissos. Somente uma coleção de espantos na alma. Tanto choque, tanto assombro. Marcação ombro a ombro.

               Muros de ódio sem sentido. Tudo foi tentado. Havia, talvez, pinceladas da sabedoria paterna. Vontade de acolher e proteger. Uma vida de aspirações simples. Sem insensatas manipulações. Cada um responde por seus erros e acertos. Jamais pelas decisões alheias. O que sobra? O cansaço dos confrontos inúteis.

               O poço de carências era profundo. Os dias perderam o ritmo e o vigor. As noites se somavam inertes e mal dormidas. A loucura espreitava nas sombras. A sede de respostas cedeu lugar ao desencanto. Sofrer tanto não muda nada! A chave foi buscar o autoconhecimento. Muita autocrítica e reflexão.

               Todos nós perdemos afetos. Todos partem a seu tempo do espetáculo da vida. Não se pode viver o tempo todo ressentido com quem ficou vivo. Quem quer ser amado deve aprender a amar. Há tantas causas nobres para abraçar e o show deve continuar.

               Nada de obrigações e deveres infindos. Para tanto desafeto e tanta opressão é bom guardar no bolso a palavra NÃO. Chega de vozes agressivas, frases cruéis e desrespeitosas. Tudo tem limite. Infinita e iIimitada só a inspiração.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Para não dizer que não falei das flores



             Foi uma estranha sensação ganhar um ramalhete de flores matizadas em vários tons de azul agremiadas em profusão. No detalhe, cada flor possui um desenho simples, apresentando quatro pétalas simétricas, de onde se ramificam escuras nervuras azuis. Formam grandes capuchos arredondados, unidos por finíssimos cabinhos, dando a ideia de um coletivo alegre e cheio de harmonia.

             Se o tom esgazeado do azul tivesse que incorporar algum aroma, o perfume suave e seco das hortênsias seria sem dúvida, o meu preferido. O perfume da cor azul.

             Não sei de onde veio esta fome de maciez de pétalas. Delicadezas azuis. Equilíbrio entre o céu e mar. Infinitos: mar e céu como signos. A gente pode eleger o azul para ficar triste?

             Em um tempo que dará cada vez mais valor ao esforço individual, porque a força visual de uma florzinha cheia de simplicidade, intrinsecamente ligada a tantas outras me pegou?

             O egoísmo é fácil e nos dará sempre infinitas imagens. O altruísmo vem permeado de ceticismo. Estou no plano intenso das sensações. Há uma falta de perspectivas, e o tempo é pleno de interrogações.

             É complexo descrever sentimentos antagônicos e extremados. O desdobramento parece não ter fim. Chegou um tempo sem poesia e, no entanto senti necessidade de escrever uma crônica poética onde a crueza da realidade atual não nos envolva como um fato consumado.

             Mas persiste uma sensação de exílio. De uma solidão estrangeira mesmo estando dentro do Brasil. Tudo o que pôde ser desfigurado e destruído rapidamente, não cedendo espaço à reflexão, criou um imenso vazio.

             Chegamos a um tempo de flores carnívoras, porque só o mau cheiro atrai tantas moscas afoitas. Tudo é devorado, triturado com sofreguidão.

             Não é mais um tempo de flores conglomeradas. É um tempo-orquídea que se nutre da sombra alheia. Minando a capacidade e a força dos que tentam ficar em pé, confiando apenas na sua própria dignidade.

             Neste tempo sem poesia, resulta inútil expor a palavra machucada e fragmentada. A cada pétala. De flor em flor.