segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Para não dizer que não falei das flores



             Foi uma estranha sensação ganhar um ramalhete de flores matizadas em vários tons de azul agremiadas em profusão. No detalhe, cada flor possui um desenho simples, apresentando quatro pétalas simétricas, de onde se ramificam escuras nervuras azuis. Formam grandes capuchos arredondados, unidos por finíssimos cabinhos, dando a ideia de um coletivo alegre e cheio de harmonia.

             Se o tom esgazeado do azul tivesse que incorporar algum aroma, o perfume suave e seco das hortênsias seria sem dúvida, o meu preferido. O perfume da cor azul.

             Não sei de onde veio esta fome de maciez de pétalas. Delicadezas azuis. Equilíbrio entre o céu e mar. Infinitos: mar e céu como signos. A gente pode eleger o azul para ficar triste?

             Em um tempo que dará cada vez mais valor ao esforço individual, porque a força visual de uma florzinha cheia de simplicidade, intrinsecamente ligada a tantas outras me pegou?

             O egoísmo é fácil e nos dará sempre infinitas imagens. O altruísmo vem permeado de ceticismo. Estou no plano intenso das sensações. Há uma falta de perspectivas, e o tempo é pleno de interrogações.

             É complexo descrever sentimentos antagônicos e extremados. O desdobramento parece não ter fim. Chegou um tempo sem poesia e, no entanto senti necessidade de escrever uma crônica poética onde a crueza da realidade atual não nos envolva como um fato consumado.

             Mas persiste uma sensação de exílio. De uma solidão estrangeira mesmo estando dentro do Brasil. Tudo o que pôde ser desfigurado e destruído rapidamente, não cedendo espaço à reflexão, criou um imenso vazio.

             Chegamos a um tempo de flores carnívoras, porque só o mau cheiro atrai tantas moscas afoitas. Tudo é devorado, triturado com sofreguidão.

             Não é mais um tempo de flores conglomeradas. É um tempo-orquídea que se nutre da sombra alheia. Minando a capacidade e a força dos que tentam ficar em pé, confiando apenas na sua própria dignidade.

             Neste tempo sem poesia, resulta inútil expor a palavra machucada e fragmentada. A cada pétala. De flor em flor.

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