quinta-feira, 28 de junho de 2012

Uma Rosa é uma Rosa é uma Rosa


                                         
              Olhei para o quadrinho de rosas na parede. Saí da loja, mas voltei tomada de violento impulso. Decidi que as rosas seriam minhas e pronto. E deveria salvar a pintura de outro comprador com menor grau de paixão e sensibilidade.. Fosse lá quem fosse. Retornei e arrematei no auge daquela epifania.

              Uma rosa é uma rosa é uma rosa. Um dia escreveu Gertrude Stein. Não precisa nenhuma definição a mais. Quem pintou, refletiu toda a sua delicadeza nas linhas. E o quadro foi pintado por Otília, em 1952... Quem imaginaria tão longínqua data?

              E aí, surgiu o devaneio: imaginei a autora pintando as flores. Painel de suavidades: pétala por pétala. A jovem noiva mergulhada no doce aprendizado de pintar a óleo. Um dia, em breve, ela pretenderá decorar o seu futuro lar.

              Há tantas promessas no primeiro quadro dessa moça! Comovente o seu empenho em acertar e jamais errar. Na cor, na sombra e luz, nos detalhes mínimos de um botão de rosa. O verde musgo das folhas se derrama além dos limites do desenho a lápis.

              Vi Otília delicada e lindíssima, em um vestido godê guarda-chuva, calçando sapatos de bico fino. Tanto tecido girando displicente e dançando sensualmente ao redor da cinturinha flexível. Ela se agita com frenesi diante do cavalete, quando finalmente toca a campainha.

              O noivo está atrasado. A família se diverte na sala de piano que dá vista a um primoroso jardim. Otília larga os pincéis, e corre conferir a sua apresentação no espelho oval. Sorri para a sua estonteante figura e volta para o quadro se fingindo distraída.

              Entra o noivo todo sorridente, chapéu na mão, ansioso e com vontade de tirar o paletó. Disfarça o calor que o agoniza e lhe aquece as vestes. Enxuga o suor do rosto com um lenço muito alvo, e se recompõe por inteiro, pois sua sogra pode não achar de bom tom o noivo expor a camisa sem a sua permissão. Assim vi.

              Comprei o quadrinho para minha mãe, como o sonho do passado de alguém. Achei o lugar ideal a ser observado por ela. Confidenciou a sua vontade de partir logo deste mundo. Não anda ligada nem no passado, presente ou futuro. Enquanto estamos aqui, o importante é sonhar. Não custa a gente tentar ficar sempre um pouquinho mais. Foi a mensagem do meu gesto.

              A pequena obra tem os pentimentos graciosos da Otília. Adoro os primeiros ensaios eternizados em uma tela. A humildade da experimentação. Os acertos são tão arrogantes! Voltei para a casa sob o seco impacto da realidade. Deixei para as rosas a doce missão de recapturarem minha mãe para a eterna festa da vida.

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